Comprar um relógio inteligente na tentativa de monitorar seus hábitos e controlar melhor os resultados pode ser uma ótima ideia, porém, é preciso cautela ao interpretar os dados.
Veja um exemplo: se você fizer um treino intenso de uma hora, que tem um gasto calórico de cerca de 500 calorias, isso significa que você aumentou o seu gasto no dia em 500 calorias? Não necessariamente.
Estimativas calóricas imprecisas
Os relógios, as esteiras e demais equipamentos de academia que mostram as calorias se baseiam em fórmulas generalistas para estimar o gasto calórico. Um estudo verificou que uma marca de relógios famosa superestimou esse dado em 29% em mulheres, enquanto subestimou em 18% para homens.
Mesmo que o gasto de calorias mostrado pelos aparelhos fosse preciso, teríamos outro fator importante a considerar: o corpo humano é altamente complexo, dinâmico e inteligente.
O que gastamos em uma atividade não é simplesmente somado ao total de calorias que queimamos no dia. O corpo regula o nosso gasto de formas que, muitas vezes, nem percebemos. Logo, o valor que o aparelho aponta não é um passe livre para comer mais.
Por exemplo: se uma pessoa gasta, em média, 2 400 calorias por dia, isso seria o equivalente a um gasto de 100 calorias por hora (simplificando a conta e considerando o mesmo gasto por hora). Se ela fizesse um treino de uma hora com gasto de 500 calorias, o gasto real no dia seria ajustado, subtraindo as 100 calorias que ela já gastaria de qualquer maneira. Logo, o gasto adicional seria de 400 calorias, e não de 500.
Outro fator relevante é que o corpo pode compensar esse aumento diminuindo o gasto em outros momentos do dia. Isso pode acontecer de maneira intencional, quando, por exemplo, escolhemos descansar em vez de caminhar mais ou priorizamos andar de carro, subir de elevador ou ver televisão. Nesses casos, é possível identificar esses comportamentos e criar estratégias para evitá-los.
Mas existe a compensação fisiológica, que é mais difícil de perceber. Isso porque o corpo ajusta seu gasto energético automaticamente, reduzindo o metabolismo basal ou outras funções, fazendo com que o aumento do gasto talvez nem chegue àquelas 400 calorias do treino. A ciência ainda busca entender os motivos exatos por trás disso, mas uma coisa já está clara: a compensação acontece de maneiras diferentes para cada pessoa.
Esse mecanismo, apesar de ser indesejado atualmente, foi essencial para nossos ancestrais. Afinal, eles viviam em ambientes hostis e com acesso limitado a alimentos. Portanto, se eles gastassem calorias sem moderação, não conseguiriam repor a energia e rapidamente entrariam em inanição. Hoje, em um ambiente de abundância alimentar e sedentarismo, essa adaptação evolutiva se torna um desafio para quem busca emagrecer.
Isso significa que atividade física não ajuda no emagrecimento?
Muito pelo contrário! Ela é fundamental tanto no processo de perda de peso quanto na manutenção desse emagrecimento. Essa compensação ocorre, em maior ou menor magnitude, apenas quando o gasto calórico é aumentado. Realizar atividade física de modo frequente é indispensável. Além disso, os benefícios do exercício são diversos e vão além do aumento do gasto calórico: movimentar o corpo é essencial para nossa saúde física e mental.
O erro é encarar a atividade física apenas como uma forma de gastar de calorias e nortear as escolhas alimentares, recorrendo ao famoso argumento: “Hoje eu posso!”. Ao focar apenas em calorias, deixamos de lado o aspecto mais importante da nutrição: como os alimentos afetam o corpo e a saúde a longo prazo.
Essa ideia atualmente disseminada de que o exercício é uma ferramenta para “pagar” por indulgências alimentares é uma visão punitiva que não apenas prejudica a relação das pessoas com a comida como também minimiza a maravilha que a atividade física traz para a saúde e nosso bem-estar.
Poucos anos atrás, experimentei uma aula de circuito em uma academia perto de casa. Por pouco não saí no meio. Enquanto treinávamos, o professor falou cerca de nove vezes – pelo que me lembro de ter contado – sobre como aqueles exercícios queimavam calorias e que precisávamos nos empenhar no treino para “diminuir o estrago” do final de semana. Essa narrativa infeliz, que associa o exercício à punição, ainda é muito usada, e gera uma relação ruim com a comida e com o corpo.
Por isso, como diz um amigo, que tal trocar o pensamento de “está pago” por “está investido”? Essa é uma maneira mais saudável de encarar os cuidados com a saúde.
Ao optar por alimentação de qualidade e prática regular de exercícios, os resultados vão muito além do número na balança ou das calorias gastas. Esses hábitos são um investimento na sua saúde, longevidade e no seu bem-estar.