Quanto mais quente, pior: saiba como a saúde sofre à medida que a temperatura do planeta sobe

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por Jornal Net Redação
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No dia 19 de novembro de 2023, um município de 36,7 mil habitantes no Vale do Jequitinhonha virou notícia no Brasil inteiro. Naquele domingo, a cidade de Araçuaí (MG), a 678 quilômetros de Belo Horizonte, atingiu a mais alta temperatura já registrada no País: 44,8ºC. O recorde anterior, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), pertencia ao município de Bom Jesus (PI), distante 632 quilômetros de Teresina, no dia 21 de novembro de 2005: 44,7ºC. “O sistema de saúde do município só não entrou em colapso porque fizemos campanha nas redes sociais”, explica o secretário de saúde, Israel Ornelas Silva. Entre outras medidas, a prefeitura de Araçuaí orientou a população a se manter hidratada, oferecer água para crianças e idosos, evitar exposição prolongada ao sol e, ao sair de casa, não esquecer de usar bonés e passar o protetor solar.

Para Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, o calorão registrado em Araçuaí não é um fenômeno isolado. Muito menos tende a se alastrar pelo planeta. “Já está se alastrando”, corrige o ambientalista. Os habitantes da Índia, por exemplo, já convivem com temperaturas acima dos 52ºC. Este é, segundo ele, o “novo normal climático”.

De surgimento de agentes patogênicos a escassez de comida, aquecimento global pode impactar a saúde de inúmeras maneiras. Foto: sdecoret/Adobe Stock

“Que o planeta está esquentando, isso já não é mais novidade para ninguém. O surpreendente é a velocidade com que a temperatura está subindo. É surpreendente e assustador”, alerta Prado. “Espera-se, hoje, um aumento de 4ºC na temperatura do planeta. É como se, grosso modo, a temperatura do corpo humano aumentasse 4ºC. Subisse de 36ºC para 40ºC. Com 42ºC de febre, todo mundo sabe: o paciente morre. Certa vez, peguei malária e tive 40ºC de febre. Conclusão: comecei a delirar. O cenário é catastrófico”.

O ano de 2023, segundo o Inmet, foi o mais quente da história do Brasil. Mais do que isso. Foi o mais quente dos últimos 100 mil anos. Quem afirma é a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Tem mais: a temperatura de 44,8ºC não é a mais alta da América do Sul. Esse recorde pertence à Rivadavia, na Argentina: 48,9ºC. Achou muito? O Vale da Morte, na Califórnia (EUA), já alcançou 56,7ºC. Outros picos continentais: 48,8ºC (Itália, na Europa), 50,7ºC (Austrália, na Oceania) e 54ºC (Irã, na Ásia).

“É quase uma bomba-relógio”, compara Moacyr Araújo, coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “E, para desarmá-la, precisamos da ajuda de todos. Não há mais tempo a perder com negacionismo”. O aquecimento global pode levar peixes, aves e répteis, entre outras espécies, à extinção. As mais “ameaçadas”, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), são plantas (39%), anfíbios (37%) e mamíferos (28%).

O organismo em risco

O calor extremo derrete geleiras, provoca incêndios, destrói florestas. Ameaça, também, a espécie humana. Segundo Araújo, inúmeros artigos científicos atestam, por exemplo, que a degradação ambiental, associada às mudanças climáticas, estão na origem do aparecimento de mais de 30 novos patógenos só nas últimas três décadas. Entre os exemplos de problemas mais conhecidos, estão o ebola, a gripe aviária, a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), a febre do Vale Rift, o zikavírus e o próprio coronavírus. “Seca na Amazônia e inundação no Sul são sintomas mais do que evidentes de um planeta doente”, diz o pesquisador.

Em 2015, o Acordo de Paris definiu 1,5º C como limite no aumento da temperatura. Cinco anos depois, a onda de calor já tinha subido 1,2ºC acima dos níveis pré-industriais.

E não se trata de escolher “o menos pior”. Segundo Walter Ramalho, porta-voz da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), ondas de calor e de frio extremo são igualmente graves e podem levar à morte. “Se uma causa desidratação, a outra provoca hipotermia”, diz.

Doutor em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília (UnB), Ramalho afirma que, entre outros estragos, o aquecimento global provoca um tsunami de doenças cardiovasculares, respiratórias, infecciosas, dermatológicas e mentais. A ecoansiedade pode ser traduzida como “medo crônico de desastre ambiental”. “A perda de vidas, casas e empregos, devido às mudanças climáticas, pode levar à depressão. As comunidades mais vulneráveis, geralmente com menos recursos para enfrentar secas, enchentes e furacões, podem experimentar um aumento de estresse”, analisa Ramalho.

Entre as doenças causadas pelo aquecimento global, duas em particular preocupam os ambientalistas: as infecciosas, como dengue, malária e leishmaniose, e as respiratórias, como asma, bronquite e câncer de pulmão.

As infecciosas são agravadas pela proliferação dos agentes transmissores, como o Aedes aegypti (quanto mais alta a temperatura, menor o tempo de incubação do vírus no mosquito), enquanto as respiratórias têm a ver com a piora na qualidade do ar (o dióxido de carbono, de todos os gases de efeito estufa, é o mais prejudicial à saúde). Nove em cada dez pessoas, a propósito, vivem em regiões do planeta em que os níveis de poluição do ar são mais altos do que os recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Serviços de saúde sob pressão

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Para piorar a situação, famílias inteiras, sem condições de sobreviver em seu local de origem, se veem obrigadas a fugir para outros países. “Os refugiados climáticos vão sobrecarregar os serviços de saúde. Hospitais e postos de saúde não conseguirão atender à demanda e vão entrar em colapso”, prevê Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

Se providências urgentes não forem tomadas, ambientalistas estimam que, em 2050, 143 milhões de refugiados climáticos serão obrigados a sair de suas casas e migrar para outras regiões – 86 milhões na África Subsaariana, 40 milhões na Ásia Meridional e 17 milhões nas Américas Central e do Sul.

O livro Mudança Climática (GloboLivros, 2023), da coleção Simples, cita o Rio de Janeiro no capítulo Quando Todo o Gelo Derreteu. Todo o litoral da América do Sul, ou grande parte dele, poderia ficar inundado para sempre ou ser impactado negativamente pelo avanço da água do mar. “Se todo o gelo do mundo derretesse, o nível do mar poderia subir mais de 70 metros, causando alterações drásticas nos litorais de muitos países”, diz o texto. “Contudo, um aumento como esse aconteceria ao longo de um período muito extenso, dando tempo às nações vulneráveis para se adaptar”. Um aumento de 66 metros poderia fazer as cidades no estuário do Rio da Prata, como Buenos Aires e Montevidéu, desaparecerem sob as águas. Um aumento de 70 metros poderia transformar a Bacia Amazônica em uma enseada do Oceano Atlântico, destruindo imensas áreas de floresta tropical.

O aumento médio da temperatura, somado a outros fatores, como a distribuição irregular de chuvas, e a ocorrência de eventos extremos, como secas prolongadas, também pode levar à escassez de alimentos. Segundo estimativas, a mudança climática pode aumentar o risco de fome e desnutrição para mais de 20% em 2050.

Jorge Meza, representante da ONU para Alimentação e Agricultura no Brasil (FAO), prevê dois cenários: no primeiro, a necessidade de importar comida para compensar a redução da produção nacional pode encarecer o preço de alguns produtos. Resultado: vai faltar comida na mesa da população de menor renda. No segundo, alguns produtos vão desaparecer das gôndolas dos supermercados. Em princípio, os alimentos mais vulneráveis às mudanças climáticas são frutas e verduras. “O trigo e a soja estão entre os cultivos que mais sofrerão impacto e a cana e a mandioca, os que menos sofrerão”, completa Giampaolo Pellegrino, da Embrapa Agricultura Digital.

No meio de tanta previsão ruim, há pelo menos uma notícia boa. “Ainda estamos em tempo de reverter o atual cenário”, pondera Alberto Pacheco Capella, representante do Programa da ONU para o Meio Ambiente no Brasil (PNUMA). “Mas a janela de oportunidade está se fechando”. Capella sugere: reduzir o consumo de energia elétrica, dar preferência ao transporte público (um ônibus tira 30 carros da rua) e praticar a reciclagem de resíduos e materiais. No caso do transporte, fazer de bicicleta o trajeto que faria de carro ou optar por viagens coletivas – a chamada “carona solidária”. “Ainda que as principais ações sejam de responsabilidade dos governos, cada um de nós pode contribuir adotando hábitos mais sustentáveis”, diz o porta-voz da PNUMA.

Já Jorge Meza, representante da FAO, recomenda evitar o desperdício de alimentos: “Uma sugestão é comprá-los e consumi-los em quantidades adequadas. Outra é reutilizá-los e, se necessário, até doá-los antes que pereçam”. Cerca de 1,4 bilhão de toneladas de comida, segundo estimativas do órgão, são desperdiçadas por ano.

Outras práticas recomendadas: comer alimentos da estação, plantar os próprios alimentos e reduzir o consumo de carne. A título de comparação, a “pegada hídrica” da carne é de 15.415 litros de água por quilo produzido enquanto o do frango é de “apenas” 4.325 litros. Outros exemplos: pão (1.608 litros), leite (1.020 litros) e banana (790 litros). É importante também evitar o desperdício de água. Apenas 2,5% da água do planeta é potável.

Na opinião de Márcio Astrini, do Observatório do Clima, todas essas ações são urgentes e necessárias. Mas, a maior urgência é votar em políticos que tenham propostas que favoreçam o meio ambiente. “Precisamos aprender a separar aqueles que trazem soluções dos que só apresentam problemas. Então, escolher bem os nossos representantes é um ótimo primeiro passo”.

Fonte: Externa

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