Você transita pelas ruas e tem a sensação de que este ano há muito mais obras espalhadas pela cidade? Em ano de eleição para prefeitos, como é o caso de 2024, as obras costumam aumentar mesmo, mas parece que faz tempo que não se via tanto recapeamento de ruas, reparação de túneis e pontes? Não é apenas uma sensação.
Levantamento do portal Compara Brasil com base em relatórios fiscais entregues pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que os investimentos no agregado de 23 capitais somaram R$ 65,36 bilhões de 2021 a 2023, três primeiros anos do atual mandato. O valor foi quase o dobro dos R$ 33,21 bilhões que as capitais investiram de 2017 a 2019, três primeiros anos da gestão anterior. Os valores foram todos corrigidos para janeiro de 2024 pelo IPCA.
Os investimentos tendem a seguir o ciclo eleitoral: são mais baixos nos dois primeiros anos do mandato e ganham força no terceiro e quarto anos, quando a entrega de obras viram vitrine nas campanhas dos candidatos a prefeitos.
O levantamento mostra que somente no ano passado os investimentos somaram no agregado das 23 capitais total de R$ 31,2 bilhões, 45% a mais que em 2022 e mais que o dobro dos R$ 14,2 bilhões de 2019.
Embora a situação entre as prefeituras seja heterogênea, os dados agregados das capitais mostram que dois fatores ajudaram os atuais prefeitos a entregar mais obras em 2023.
Um deles foi um caixa recheado, no qual se acumularam superávits que foram obtidos desde 2021, por vários fatores. Houve adiamento de despesas de educação por conta da pandemia de covid-19 que, embora tenha eclodido em 2020, teve uma segunda onda no ano seguinte e impunha relativo isolamento social ainda em 2021. Também houve uma lei que impôs restrições na contratação e reajuste de salários de servidores (LC 173/2020) de 2020 até o fim de 2022. O gasto com funcionários é uma das maiores despesas do “dia a dia” das prefeituras. A restrição de gastos, portanto, levou a uma espécie de “poupança obrigatória” dos municípios nesse período.
Além de despesas represadas, as receitas também ajudaram. No decorrer de 2021 e durante 2022 houve retomada de serviços, inflação e preços altos de commodities. Esse conjunto de elementos ajudou as prefeituras a ter bons resultados com sua arrecadação e também com os repasses de recursos que recebem de Estados e do governo federal.
O quadro criou um saldo em caixa extraordinário para os municípios. Considerando o agregado no mesmo grupo das 23 capitais, o levantamento do Compara Brasil mostra que em 2021 o caixa desses municípios totalizou R$ 18,6 bilhões, mais que o dobro dos R$ 7,2 bilhões de 2020. Para se ter uma magnitude do quão alto foi o valor, basta lembrar que em 2018 e 2019 o total em caixa foi de R$ 1,1 bilhão e R$ 1,8 bilhão, respectivamente. Em 2022 o saldo em caixa no mesmo agregado somou R$ 15,95 bilhões. Ao fim do ano passado caiu para R$ 10,76 bilhões, mas continuou relativamente alto considerando esse histórico recente, em valores que seguem atualizados pelo IPCA até janeiro deste ano.
Os dados de caixa levantados são o da disponibilidade de recursos não vinculados e após descontados os restos a pagar não processados. O critério foi usado para refletir de forma mais conservadora os recursos livres, explica Alberto Borges, economista do Compara Brasil.
“A evolução dos dados de caixa mostra que o cenário para investimentos dessas prefeituras nunca foi tão bom”, diz Tânia Villela, também economista do Compara Brasil.
O desafio, observa ela , é ter capacidade de execução e projetos. A redução do volume de caixa de 2022 para 2023, diz, Borges, mostra que houve “queima de reservas” devido ao ciclo eleitoral.
“A realidade é completamente diferente da do mandato anterior, que veio de um período de crise da economia brasileira e com a pandemia no último ano. Hoje os prefeitos das capitais estão com entrega de investimentos muito maior, o que é um ingrediente importante das eleições municipais. O mandato atual teve dinheiro em caixa e em tudo que é canto as prefeituras estão consertando o asfalto”, observa Borges.
Outro fator que ajudou as capitais a investirem mais, aponta o levantamento, foram as operações de crédito. Essas receitas somaram R$ 14,93 bilhões de 2021 a 2023, valor 44,5% maior que os R$ 10,33 bilhões do triênio 2017 a 2019. Essas operações tendem a ter participação maior no financiamento de investimentos.
Em Aracaju, conta o secretário de Fazenda do município, Jeferson Passos, os investimentos em 2023 tiveram 60% do valor financiado por operações de crédito. O restante foi coberto parte por superávits anteriores em caixa e parte por recursos do próprio exercício. Na capital sergipana, diz, houve um ganho de velocidade na elaboração e projetos de investimentos nos últimos anos. Em 2023 a prefeitura de Aracaju investiu R$ 409,88 milhões, ante R$ 176,15 milhões em 2022 e R$ 136,17 milhões em 2019. “Este ano vamos bater novo recorde com algo em torno de R$ 500 milhões”, diz ele. A parcela financiada por operações de crédito deve aumentar para 70%, diz.