Pela primeira vez na América Latina, professores da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) realizaram a técnica da crioablação para o tratamento do câncer de mama. O procedimento, ainda em estágio experimental, consiste em usar nitrogênio líquido em temperaturas extremamente baixas para congelar e destruir as células cancerígenas.
Na primeira fase, uma parceria entre EPM/Unifesp, Hcor e Hospital Israelita Albert Einstein, a testagem envolveu 60 pacientes com tumores de mama menores de 2,5 centímetros que já tinham indicação de cirurgia para retirada do tecido cancerígeno. A crioablação se revelou 100% eficaz para tumores menores de 2 centímetros.
Os professores preparam agora uma segunda etapa do estudo, que envolverá 700 pacientes de 15 centros de saúde de São Paulo, e conta com financiamento da Finep.
“Eu faço preventivo todo ano e nunca tive nada”, conta a empresária Cristina Priscila Bellegarde, de 55 anos, uma das participantes do estudo. “No ano passado surgiu um nódulo diagnosticado como carcinoma maligno. Fiquei desesperada; nunca tive nada e, de repente, tinha um câncer no seio.”
O procedimento é feito com anestesia local, em ambulatório, sem necessidade de internação. A terapia consiste na inserção de nitrogênio líquido em temperatura abaixo dos 100ºC nos tumores de mama em estágio inicial. Durante o procedimento são realizados três ciclos de dez minutos cada um, alternando o congelamento e o descongelamento do tumor mamário. Ao todo, o procedimento não leva mais de 45 minutos.
“Inserimos, por meio de uma agulha, o nitrogênio líquido a uma temperatura de -140ºC na região afetada, o que forma uma esfera de gelo (ao redor do tumor), destruindo as células cancerígenas”, explica o professor Afonso Nazário, um dos responsáveis pelo experimento, chefe do Departamento de Mastologia da Unifesp. “A incisão deixada pela agulha é igual ou até menor do que a feita para a biópsia da paciente.”
O procedimento, desenvolvido originalmente em Israel, já é utilizado no tratamento de diversos tipos de câncer e problemas cardíacos, como arritmias. Em alguns países, como Israel, Estados Unidos, Japão e Itália, a técnica já é utilizada para o tratamento do câncer de mama. No Brasil, já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não consta no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para o tratamento do câncer de mama.
“A primeira parte do estudo consistiu na realização da crioablação seguida de cirurgia”, explica a professora Vanessa Sanvido, uma das responsáveis pelo experimento. “Essa etapa inicial, que contou com aproximadamente 60 casos, obteve uma eficácia de 100% para tumores menores que 2 centímetros. A fase atual do protocolo consiste na comparação de um grupo em que será feita a crioablação sem a necessidade de uma cirurgia, com um outro grupo, em que será feita a cirurgia tradicional. Nesta nova fase, serão mais de 700 participantes de 15 centros de saúde no Estado.”
No caso da paciente Cristina Bellegarde, o tumor tinha apenas um centímetro e o procedimento foi considerado 100% eficaz. A rigor, ela não precisaria de uma cirurgia, mas, como era ainda um estudo, ela acabou passando pela operação.
“Foi totalmente indolor e revolucionário”, conta a paciente. “Quis fazer parte porque acho que pode ajudar muito, sobretudo no SUS, em que muitas mulheres morrem na fila de espera.”
De acordo com os professores, por se tratar de uma técnica mais simples do que a cirurgia, a crioablação poderia de fato ser adotada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), reduzindo as filas de espera para a operação.
“As agulhas usadas no procedimento ainda têm um valor alto”, explica Nazário, lembrando que cada uma custa cerca de R$ 6 mil. “Mas estamos otimistas de que, futuramente, poderemos contar com o procedimento no SUS. Com a expansão do uso da crioablação, acreditamos que o custo da agulha vai cair e se tornar mais acessível. Nosso objetivo é tirar de 20% a 30% das pacientes da fila do SUS.”