Sachês de nicotina começam a circular ilegalmente no Brasil; veja possíveis riscos

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por Jornal Net Redação
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Depois dos cigarros eletrônicos, um novo produto da indústria do tabaco vem ganhando popularidade, especialmente entre os mais jovens: os sachês de nicotina, também conhecidos como “pouches”. Apesar de ilegais no Brasil, esses produtos, que adotam estratégias de marketing similares às dos vapes — apresentados como alternativas “menos nocivas” aos cigarros tradicionais —, já circulam clandestinamente por aqui.

Liberados na África do Sul e em países da Europa e América do Norte, como Suécia e Canadá, os sachês são pequenas bolsas de celulose que contêm nicotina — substância psicoativa derivada do tabaco — em pó. O uso consiste em colocar o sachê entre a gengiva e os lábios para que o pó se dissolva na boca, permitindo a absorção pelo organismo. Eles são comercializados em diversos sabores, incluindo hortelã, melão e laranja.

Os novos sachês são pequenas bolsas de celulose que contêm nicotina em pó Foto: ir1ska/Adobe Stock

Em janeiro deste ano, aproximadamente 2,2 mil sachês de nicotina foram apreendidos pela Vigilância Sanitária do Mato Grosso do Sul após serem detectados pelo raio-x nos Correios de Campo Grande. De acordo com o órgão, essa foi a primeira vez que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu uma notificação oficial sobre a apreensão desse tipo de produto no Brasil.

De acordo com o gerente da Vigilância Sanitária do MS, Matheus Pirolo, a apreensão englobou produtos atribuídos a seis marcas, incluindo a Velo, pertencente à British American Tobacco, e a americana Philip Morris. Ainda não está claro se os itens eram originais.

Nas embalagens, semelhantes às de balas vendidas em latas, constavam quantidades de nicotina que variavam de 6 a 20 mg por sachê. “Um cigarro convencional contém cerca de 1 mg de nicotina por unidade e os danos já são bem conhecidos. Agora, imagina um produto que em apenas 20 minutos se dissolve na boca e entrega diretamente na corrente sanguínea doses até 20 vezes maiores?”, questiona Pirolo.

Além disso, a vigilância estadual informou que o produto está sendo comercializado em sites brasileiros e nas redes sociais, onde, além das vendas, há convites para as pessoas se tornarem revendedoras. Todos os casos foram mencionados em um relatório enviado para análise da Polícia Federal.

Possíveis riscos

Embora promovidos como alternativas menos prejudiciais por não envolverem combustão (como os cigarros convencionais), os sachês de nicotina estão longe de serem isentos de riscos, alerta o pneumologista Paulo Correa. “O principal problema é que, apesar dos compostos químicos da fumaça terem sido removidos, os níveis de nicotina, uma substância com riscos próprios, foram colocados lá nas alturas. No fim, o resultado da equação segue semelhante”, opina o médico, membro da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia.

A dependência é um dos riscos mais evidentes. “Quanto maior a concentração de nicotina, maior o potencial de criar um ciclo vicioso”, afirma Marcela Roiz, da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional de Câncer (Inca). “Segundos após o uso, a nicotina atinge o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina e gerando uma sensação prazerosa. Isso reforça o consumo e torna ainda mais difícil abandonar o hábito.”

Além da dependência, a nicotina pode promover alterações biológicas que facilitam o desenvolvimento de câncer, segundo Marcela. No caso dos sachês, o perigo está associado principalmente a tumores na cavidade oral, incluindo lábios, gengivas, mandíbula e mucosa bucal. “Isso vale tanto para os pouches com nicotina derivada do tabaco quanto para aqueles que alegam utilizar ‘nicotina sintética’”, alerta Correa.

Já a cardiologista Jaqueline Scholz, coordenadora do Comitê de Controle do Tabagismo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), chama atenção para os riscos cardiovasculares. “A nicotina promove a contração das artérias, colaborando para o aumento da pressão arterial. Além disso, a liberação de dopamina, associada à sensação de euforia, gera um aumento da frequência cardíaca”, explica.

Ela ressalta que o uso desses produtos antes de praticar exercícios físicos amplifica ainda mais os riscos. “A prática de exercícios, por si só, já eleva a frequência cardíaca. Associar isso ao uso de nicotina pode sobrecarregar o coração, especialmente em pessoas que já possuem pressão alta e muitas vezes não sabem.”

Para Correa, os pouches representam uma estratégia da indústria que “já deixou de ser novidade há muito tempo”. “Eles tentam ‘mascarar’ os danos dizendo que esse produto é menos nocivo que aquele, como se estivessem fazendo um serviço em prol da saúde. Vimos isso com os vapes e, hoje, estamos assistindo aos danos”, opina. “No fim, o interesse é o mesmo: produzir mais dependência”.

O pneumologista também critica o design desses produtos, que costumam ser comercializados em embalagens atraentes, com sabores variados, muitas vezes lembrando caixinhas de goma de mascar, uma formulação que “contradiz a alegação de que são produtos destinados exclusivamente a adultos”. “Mais uma tentativa óbvia de atrair o público mais jovem. Já estamos observando isso com os vídeos que circulam nas redes sociais”.

Liberação nos EUA

Na última quinta-feira, 16, a Food and Drug Administration (FDA), agência americana semelhante à Anvisa, aprovou a comercialização dos sachês de nicotina da marca Philip Morris, conhecidos como ZYN, nos Estados Unidos. A decisão foi anunciada apenas um dia após a agência propor uma nova regulamentação para limitar a quantidade de nicotina em produtos derivados da queima do tabaco a um máximo de 0,7 miligramas. A regra, que ainda passará por consulta pública e análise do Comitê Consultivo Científico de Produtos de Tabaco da FDA, não incluirá cigarros eletrônicos nem os sachês de nicotina.

“Entre várias considerações importantes, a avaliação da agência mostrou que, devido a quantidades substancialmente menores de constituintes nocivos do que os cigarros e a maioria dos produtos de tabaco sem fumaça, como rapé úmido e snus (pacotes similares aos sachês de nicotina, mas com tabaco em pó), os produtos autorizados apresentam menor risco de câncer e outras condições graves de saúde do que esses produtos”, informou a FDA em comunicado.

A decisão foi baseada em estudos apresentados pela Philip Morris, segundo a agência reguladora. Questionada sobre os dados pelo Estadão, a multinacional apresentou uma série de artigos publicados em seu site.

Um dos materiais destaca uma pesquisa realizada pelo Instituto Federal Alemão de Avaliação de Riscos (BfR) em novembro de 2022. Ele afirma: “Considerando o modelo de redução de riscos, trocar cigarros por sachês de nicotina pode representar uma diminuição dos riscos à saúde para fumantes. Contudo, é essencial evitar que o uso desses sachês leve a um aumento da ingestão de nicotina em comparação com outros produtos disponíveis no mercado”.

No entanto, o próprio BfR destaca que os sachês foram retirados do mercado alemão por excederem a dose de referência aguda de nicotina estabelecida pelas autoridades locais.

Além disso, menciona que “nitrosaminas específicas do tabaco (TSNAs), conhecidas por seu potencial cancerígeno, foram detectadas em alguns sachês de nicotina” e que “substâncias presentes nesses produtos podem ser ingeridas, interagindo com componentes alimentares, saliva e sucos gastrointestinais, o que pode gerar compostos carcinogênicos no trato digestivo humano”.

Casos de intoxicações leves também foram relatados, com uma toxicidade aguda estimada em 5 miligramas por quilo de peso corporal. O estudo ainda aponta riscos como morte fetal e fortes efeitos no sistema cardiovascular causados pela nicotina. “Os efeitos a longo prazo do uso de sachês de nicotina não podem ser avaliados com os dados atualmente disponíveis”, diz a BfR.

O que diz a Philip Morris?

Em nota enviada à reportagem, a Philip Morris destacou que o desenvolvimento dos sachês foi fundamentado em “inúmeras avaliações antes do lançamento, além de estudos pré-clínicos e de farmacocinética” e que “o produto foi desenvolvido para adultos fumantes que, de outra forma, continuariam fumando”.

A multinacional também destacou que “a nicotina não é classificada como agente cancerígeno pela FDA nem pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC)” e apontou que a decisão da FDA representa o reconhecimentos dos sachês como “melhores alternativas para os adultos que consomem nicotina”.

“Ficamos encorajados pelo fato de que, em seu anúncio, a agência reconheceu que, embora a nicotina seja viciante e não isenta de riscos, são os compostos nocivos encontrados na fumaça do cigarro o principal problema associado ao tabagismo, não a nicotina em si”, escreveu a empresa. A nota lembra que o cigarro convencional continua sendo uma opção no Brasil para adultos que consomem nicotina e critica a proibição vigente no País a outros formatos.

Na visão de Correa, a ideia de que os pouches podem substituir o cigarro como uma alternativa menos prejudicial é um contrassenso. Ele destaca que essa troca não elimina o consumo de substâncias nocivas, apenas muda o formato, mantendo — ou até ampliando — os impactos na saúde pública.

“O fardo para a saúde pública permanece, já que as doenças relacionadas à substância continuam ocorrendo. Pior, a popularização dos sachês pode atrair novos usuários, incluindo quem nunca consumiu nicotina. O resultado pode ser ainda mais pessoas expostas e, quem sabe, adoecendo.”

Por fim, ele defende que as políticas públicas brasileiras devem focar na formação de gerações livres da nicotina, independentemente da forma de consumo. “Qualquer medida contrária a essa seria um enorme retrocesso na política de controle do tabaco e da nicotina no País”, opina o pneumologista.

Fonte: Externa

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